Artigo analisa dados sobre teletrabalho

15/07/2020 10:47


Durante o período de distanciamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, muitos brasileiros descobriram uma nova modalidade de trabalho. O home office – que até tem um nome em português: teletrabalho – é considerado por diversas pessoas um futuro óbvio para as tarefas profissionais, havendo, inclusive, quem diga que o isolamento apenas antecipou essa tendência.

Ao evitar deslocamentos, transportes cheios e congestionamentos, além de reduzir custos e gastos, o trabalho em casa é encarado por algumas bolhas sociais como a solução para um tanto de problemas. Mas será que essa é uma realidade possível ou, ao menos, palpável para tantos trabalhadores assim? A população brasileira tem mesmo à disposição esta opção?

O artigo A panaceia do home office na pandemia: evidências para a região Nordeste indica uma situação diferente. Publicado pelo Observatório do Nordeste para Análises Sociodemográficas da Covid-19 (ONAS-Covid-19), o estudo mostra que a porcentagem de brasileiros desempenhando suas atividades profissionais por meio do teletrabalho é bem mais baixa do que se tem impressão.

Com base nos dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-Covid-19) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as quais mostram que 8,5 milhões (13%) estão em home office, o trabalho afirma que essa é uma tendência bastante tímida no conjunto do mercado de trabalho nacional. O professor do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais (DDCA/UFRN), Ricardo Ojima, detalha o cenário atual.

“Não sei se trata de uma percepção distorcida, mas de um viés de categorias ocupacionais que têm maior destaque na mídia e na sociedade. São as empresas de grande porte, tecnológicas e afins que acabam tendo maior visibilidade e induzindo a formação de opinião sobre o tema, o que leva a generalizar uma realidade que se aplica a uma parcela limitada da população”, explica o professor Ojima, um dos autores do artigo também assinado pela professora Jordana Cristina de Jesus (DDCA/UFRN).

Entre as regiões do país, ainda que com um número pouco expressivo, o Sudeste apresenta a maior taxa de teletrabalho, com 17,1%. Já o Nordeste (10%) se posiciona no meio desse ranking, atrás também do Centro-Oeste (10,5%) e à frente do Sul (9,9%) e do Norte, que registrou um índice ainda menor em comparação com as demais partes do país ao obter apenas 6,9%.

“De fato, há uma discussão sobre o futuro do mundo do trabalho desde muito tempo. Automação, tecnologias e o home office fazem parte desse imaginário de que o futuro do trabalho será transformado de modo positivo para a sociedade. Em parte isso é verdade, mas não será assim se não for mediado por instrumentos reguladores do Estado para que as parcelas mais vulneráveis da população não sejam deixadas de lado”, afirma o professor.

Porém o artigo mostra que as desigualdades também se dão no teletrabalho. No Nordeste, pessoas negras, acima dos 40 anos e/ou com baixa escolaridade têm participação menor entre os que podem adotar essa modalidade. Para o professor Ojima, as inovações no mundo do trabalho tendem a afetar positivamente categorias que já são relativamente privilegiadas socialmente.

“No contexto da pandemia, isso ficou mais evidente, pois é apenas uma parte muito específica e escolarizada da população que acabou conseguindo manter suas atividades em home office. Trata-se, principalmente, daquelas ocupações de trabalho intelectual e que não demandam necessariamente presença física. Sem as mesmas oportunidades de acesso a conhecimento, informação e formação educacional, esses avanços não deverão atingir a todos e reproduzir desigualdades sociais pré-existentes”, comenta.

Ainda de acordo com Ojima, historicamente as evoluções tecnológicas mudam as relações sociais e de trabalho, colocando em xeque certos grupos populacionais, e reforça o papel do Estado neste contexto de transformações em meio à atual crise sanitária. “Deve-se garantir as condições de sobrevivência para uma massa expressiva da população que não dispõe das ferramentas necessárias para enfrentar as contingências impostas pela pandemia”, conclui o professor.

Durante toda a pandemia, o ONAS-Covid19 vem desenvolvendo estudos sociodemográficos sobre Natal, o Rio Grande do Norte e o Nordeste em aspectos variados relacionados à doença decorrente do novo coronavírus. Para conferir outras análises feitas pelo grupo, clique aqui.

Fonte: Agecom/UFRN.


   
   





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